Ribeirão
das Neves já teve presídio modelo
Inaugurada em 1938
para ser modelo na recuperação de detentos, a Penitenciária Agrícola de Neves
(PAN), atual José Maria Alkimim, enfrentou rebeliões e mudou a região no
entorno
Criada
para ser modelo de carceragem e na recuperação de detentos, a Penitenciária
Agrícola de Neves (PAN), que hoje se chama José Maria de Alkimim, em Ribeirão
das Neves, na Grande BH, deveria ser a primeira autossustentável da América
Latina, pensamento que mais tarde, quando foi inaugurada, em 18 de julho de
1938, foi ratificado pelo presidente Getúlio Vargas. A construção começou em
1927. Ficou pronta em 1937, mas só foi inaugurada no ano seguinte. A filosofia,
que foi seguida até o início dos anos 1980, era de que incentivasse o trabalho
para recuperação de presos.
Na época,
Ribeirão das Neves era apenas um distrito rural de Contagem e conhecido como
Fazenda das Neves. Quando pronta, a penitenciária, que foi inspirada em
estabelecimentos penais ingleses e franceses, tinha dois pavilhões, 200 casas
destinadas a funcionários e um pomar com 300 mil pés de laranja. O interior do
presídio contava com lavoura, criação de gado, padaria, fábrica de calçados,
uma olaria, fábrica de brinquedos e de uniformes. A vocação agrícola e
industrial fez da PAN uma pioneira no país e na América Latina, por incentivar
o trabalho de recuperação de detentos. O presídio chegou a ter uma loja em Belo
Horizonte, onde eram vendidos produtos produzidos pelos presos nas hortas de
Neves.
A penitenciária mudou a vida na região e fez com que surgisse uma cidade no seu entorno. Primeiro surgiram duas vilas, Esplanada e Cacique. Nelas, os dois filhos mais ilustres de Neves, o cartunista Henfil (Henrique de Souza Filho) e Wilson Piazza, tricampeão mundial pela Seleção Brasileira, no México, em 1970.
Piazza conta que seu pai, José Piazza, era guarda penitenciário, por isso, passou grande parte de sua vida junto de presos em recuperação. “Meu tio, Angelino, era guarda da Fazenda da Laje, onde é hoje a Dutra Ladeira, que pertencia ao complexo de Neves. Ia pra lá com meu pai. E lá, os presos nos dias de folga, jogavam dama e dominó. Aprendi com eles. Divertia-me. Era tudo muito tranquilo. Não havia essa violência de hoje.”
Tricampeão mundial pela Seleção Brasileira, Wilson Piazza (C) começou a jogar futebol no campo da PAN, onde seu pai trabalhava
E foi
jogando no campo dentro da PAN que Piazza começou a se destacar. “Nos finais de
semana, quando meu pai estava de plantão, ia com ele e jogava futebol. Virei um
volante carrapato, mas não dava pontapé. E muitas vezes, meu time, o Ypiranga,
jogava contra o time dos internos. Havia um campeonato entre os presos, os
funcionários e nossa equipe.”
Piazza lembra que o time dos presidiários não se restringia a jogar somente dentro dos muros do presídio. “Muitas vezes joguei com eles em preliminares de jogos do América, na Alameda. Era tudo muito tranquilo. Não se tinha notícias de violência e as fugas eram raras.”
O campeão mundial de futebol conta que naquela época, não havia nem fuga. “Os presos trabalhavam em vários setores. Meu pai era homem de agricultura e eu ficava mais nessa parte com eles. Lembro que na Fazenda da Laje eram dois galpões. Num deles, ficava um salão de jogos, a cozinha e o refeitório. No outro, era o dormitório.”
A PAN foi mostrando, ao longo do tempo, sua importância para o sistema carcerário. Lá, era feito o pão que era distribuído nas cadeias de delegacias, assim como o almoço também era feito lá, com produtos produzidos pelos próprios detentos.
Piazza lembra que o time dos presidiários não se restringia a jogar somente dentro dos muros do presídio. “Muitas vezes joguei com eles em preliminares de jogos do América, na Alameda. Era tudo muito tranquilo. Não se tinha notícias de violência e as fugas eram raras.”
O campeão mundial de futebol conta que naquela época, não havia nem fuga. “Os presos trabalhavam em vários setores. Meu pai era homem de agricultura e eu ficava mais nessa parte com eles. Lembro que na Fazenda da Laje eram dois galpões. Num deles, ficava um salão de jogos, a cozinha e o refeitório. No outro, era o dormitório.”
A PAN foi mostrando, ao longo do tempo, sua importância para o sistema carcerário. Lá, era feito o pão que era distribuído nas cadeias de delegacias, assim como o almoço também era feito lá, com produtos produzidos pelos próprios detentos.
Horta comunitária ainda é mantida
pelos detentos atualmente
NOVOS
TEMPOS Entretanto,
a chegada dos anos 1980 trouxe uma nova realidade à PAN. A violência aumentou e
os detentos já não eram tão pacatos como os de antes. A superlotação também
começou a provocar a rebeldia dos internos.
A entidade enfrentou a primeira greve em 1948. Mas o pior viria a partir da década de 1980. Foram duas rebeliões seguidas, em 1984 e 1985. Os cerca de 60 detentos apontados como líderes das rebeliões para denunciar a superpopulação carcerária foram transferidos para o Depósito da Lagoinha e para Delegacia de Furtos e Roubos (DFR). E esses internos viriam a liderar uma das maiores carnificinas da história das cadeias mineiras, episódio que ficou conhecido como “ciranda da morte”.
Superlotação passou a ser um problema
já na então penitenciária José Maria Alkimim
Enquanto isso, o caráter recuperatório para o qual a PAN foi criada, a recuperação de presos pelo trabalho, começava a ficar comprometido, pois, com a superlotação, não havia lugar nem serviço para todos os condenados. Com isso, a ideia de transferir presos das cadeias de delegacias para a PAN é abandonada, justamente por causa do excesso de detentos.
Enquanto isso, o caráter recuperatório para o qual a PAN foi criada, a recuperação de presos pelo trabalho, começava a ficar comprometido, pois, com a superlotação, não havia lugar nem serviço para todos os condenados. Com isso, a ideia de transferir presos das cadeias de delegacias para a PAN é abandonada, justamente por causa do excesso de detentos.
Nos anos 1990, as rebeliões continuam. A última foi em 2001, quando a PAN começa a recuperar seu caráter principal, o de recuperar presos pelo trabalho. Ainda no início dos anos 2000, um protesto dos funcionários do presídio, inclusive dos carcereiros, ameaçou a segurança do local e deixou a população de Neves temerosa. Nessa época, os funcionários, inclusive guardas, eram terceirizados. Em 2007, o Conselho de Patrimônio Histórico e Cultural de Ribeirão das Neves aprova o tombamento municipal da penitenciária.